domingo, 29 de outubro de 2017

Biografia de Berthe Fropo pelo artigo "A mulher que denunciou irregularidades no Movimento Espírita Francês" por Adriano Calsone


Caros amigos e confrades, apresentamos a seguir um conteúdo inédito e histórico para o Movimento Espírita, trabalho garimpado pelo dedicado pesquisador Adriano Calsone, autor dos livros Madame Kardec e Em Nome de Kardec (que já comentamos aqui). Trata-se de um achado extraordinário, como todos verão adiante.

Neste mês de outubro, lançamos a obra Muita Luz, tradução de Beaucoup de Lumière de Madame Berthe Fropo (clique aqui para baixar), que consideramos um livro de grande valor para a historiografia do Espiritismo, mas, à época, como confessado, sem que tivéssemos muitas informações sobre a autora. Ocorreu, no entanto, que a anunciada tradução correu o mundo (pelas mensagens que recebemos) e chegou — coisa incrível, essa — ao conhecimento de um familiar (sobrinho de terceiro grau) da própria Berthe Fropo, que então, por iniciativa pessoal, entrou em contato com Calsone, via rede social, interessado em colaborar com as nossas pesquisas e disposto a dar informações mais detalhadas sobre a nobre ativista espírita, inclusive — o que nos deixou radiantes de alegria — cedendo cópias de fotografias de seu acervo familiar, envolvendo a autora de Beaucoup de Lumière.

E, portanto, ainda encantados com esse salutar contato, compartilhamos com todos nossos apurados acerca da biografia de Berthe Fropo, através desse artigo que Adriano Calsone escreveu para este nosso canal de divulgação espírita.

Segue o artigo e as fotos inéditas de Berthe Fropo:


"A mulher que denunciou irregularidades no Movimento Espírita Francês"
por Adriano Calsone

Parece soar mentira quando afirmarmos que existiu há 133 anos atrás alguém que foi capaz de denunciar abusos, irregularidades, corrupção e incoerências doutrinárias que se avolumaram no movimento espírita francês do século 19, mais especificamente depois da morte de Allan Kardec. Impensável ainda constatarmos que esse delator fora uma mulher espírita, amiga íntima da esposa de Kardec. Sim, uma importante mulher que esteve completamente apagada da historiografia espírita mundial!

No mês de outubro do corrente (mês de Kardec), nossos amigos Ery Lopes, Rogério Miguez e Jorge Hessen publicaram a tradução (do francês) de Beaucoup de Lumière (Muita Luz), brochura espírita com 76 páginas de autoria da nunca ouvimos falar, Madame Berthe Fropo. O opúsculo, bilíngue, com tiragem de 1200 exemplares, foi publicado de forma independente na Paris de 1884, e agora pode ser lido grátis por meio do competente Portal Luz Espírita.

Pelo menos para mim, como pesquisador espírita do pós-Kardec francês, trata-se de lançamento dos mais relevantes do ano para a Literatura Espírita, pois nos ajuda a compreender, direto do original, o que se passou com o movimento espírita logo após a desencarnação do codificador do Espiritismo: “Fropo então vai denunciar os desvios de conduta daqueles que se encarregaram de conduzir a Sociedade Espírita e demais atividades institucionais iniciadas por Kardec, por exemplo, a edição da Revista Espírita. Esses desvios, segundo Fropo, eram de ordem doutrinária e moral”, conforme explicação do Sala de Leitura.

Em verdade, o que nos leva a costurar esse artigo biográfico não fora apenas a ideia de ressaltar, novamente, a feliz iniciativa do nosso amigo e parceiro Ery Lopes, justamente ao traduzir e divulgar gratuitamente Muita Luz. O que nos trouxe aqui foi um francês chamado Nicolas Fropo... Fropo?

Logo após a circulação online da tradução de Muita Luz, um artista plástico chamado Nicolas Fropo entrou em contato conosco pelo Facebook, afirmando ser um distante sobrinho de Madame Berthe Fropo. Ulálá!

Para a nossa perda de chão, disse-nos inbox: “Monsieur, eu não falo espanhol, infelizmente! Eu sou o sobrinho de Berthe Fropo. Minha família tem, em sua posse, um retrato de Berthe Thierry de Maugras jovem, bem como uma foto dela no final da vida. Se você precisar de informações biográficas sobre a minha tia, eu posso comunicá-las a você. Atenciosamente Nicolas Fropo.”

A felicidade foi tanta que nem nos importamos de ser confundidos com um espanhol; nem nos aborrecemos com o fato de que, talvez, franceses ainda possam achar que brasileiros sejam espanhóis hablantes numa geleia geral latino-americana, diante de um tudo a mesma coisa, oh Monsieur! Nicolas, talvez, para amenizar a gafe digital de nos confundir com los hermanos, disse depois com a quentura atípica de um francês: “Je suis heureux pour vous”... e ficamos felizes juntos e por todos, como irmãos espanhóis ou não...

O que mais nos intrigou mesmo foi constatar que, dois anos depois de localizarmos a brochura Muita Luz na Biblioteca Nacional da França, em 2015, surgiu agora desse “éter internético” um francês parente disposto a nos abrir os arquivos familiares dessa inquieta mulher Fropo que fez subir, no pico estratosférico da sinceridade, a temperatura do movimento espírita francês do pós-Kardec, trazendo à tona verdades para lá de inconvenientes.

Assim sendo, nós pedimos a Nicolas Fropo que pudesse nos repassar impressões biográficas de sua tia espírita, lamentavelmente tão desconhecida do Espiritismo mundial. O competente artista [1] aquiesceu ao nosso pedido e nos brindou com duas fotos berthísticas e laudas de próprio punho, recheadas com detalhes históricos da família Fropo, além de novas e merecidas informações sobre a nossa femme forte.

Dirá o atencioso sobrinho: “Caro Adriano, aqui está, como prometido, o artigo-testemunho que escrevi sobre Berthe, a partir dos arquivos da minha família" [2]:


“— Figura do Espiritismo francês, Berthe Thierry de Maugras é uma daquelas humanistas que marcaram o seu século por sua independência de espírito, sua cultura, seu espírito de aventura, tal qual Alexandra David-Néel, a exploradora que chegou à China; tal qual baronesa Almaury de Maistre, compositora e autora de peças para coros e orquestras; exatamente como Eugénie de Guérin, mulher de letras para Berthe Morisot, célebre pintora. Essas mesmas que, como Berthe, foram amantes da liberdade numa sociedade de época em grande parte dominada por homens.

Berthe-Victoire-Alexandrine Thierry de Maugras nasceu em 4 de outubro de 1821, em Sarreguemines, Lorraine [3]. É filha de Honoré-Louis Thierry de Maugras [4], diretor do Hospital Militar de Sarreguemines, e de Frederika Rowenhagen, natural de Luxemburgo.


Teve irmãos e irmãs: Henri Thierry de Maugras, nascido em 1817, médico militar, oficial da Legião de Honra; Louise-Wilhelmine Thierry de Maugras, nascida em 1819, e Camille Thierry de Maugras nascida em 1824, médica militar, também oficial da Legião de Honra.

Originária de Fontainebleau, a família de Thierry de Maugras pertenceu à nobreza, e deu à França muitos cavalheiros da Vénerie [5], assim como tenentes policiais gerais e conselheiros do rei. Entre os antepassados de Berthe Thierry de Maugras, há vários pintores do rei, incluindo Charles de Maugras, Ambroise Dubois (1543-1615), que fez um retrato de Gabrielle d'Estrées, amante de Henri IV, obra que tem lugar atualmente no castelo de Fontainebleau.

Por conta das atribuições militares de seu pai, mademoisselle Berthe viverá sucessivamente em Rocroi, em Lille, depois em Briançon, nos Alpes e, finalmente, em Calais, essa última localidade em 1836 [6].

Ela recebe uma educação perfeita como qualquer jovem da boa sociedade. Sabemos que teve uma boa voz e aprendeu canção lírica...


Então, brutalmente, a miséria cai sobre a família Fropo: Honoré-Louis Thierry de Maugras, seu pai, é demitido do exército em 1837, sob o reinado de Louis-Philippe. À medida que sua pensão de aposentadoria entra em atraso, a sua esposa Frederika se sente obrigada a escrever uma petição ao Ministro da Guerra. Ela redige, nestes dramáticos termos: ‘Nossa posição é horrível, não temos nada, Senhor Ministro, que possa fazer sobreviver nossos quatro filhos, que estão sem um futuro [...].’

Encontramos Berthe Thierry de Maugras na Paris de 1846 quando conheceu um jovem cirurgião militar, Augustin-Joseph Fropo, nascido em 1820 e natural de Saint-Omer. Augustin fora brilhante estudante de medicina, defendendo sua tese de doutorado aos 23 anos de idade. Além disso, Augustin Fropo fora iniciado e se tornou maçon d’Amis Réunis de l'Orient de Lille (Amigos Reunidos do Oriente de Lille), em dezembro de 1845. Essa loja (surgida em junho de 1776) esteve no ano seguinte já vinculada à Grande Oriente da França. Somos totalmente ignorantes das atividades maçônicas de Augustin Fropo, mas não é impossível que a militância espírita de sua esposa Berthe, mais tarde com o Espiritismo, tenha a ver com a filiação de seu marido na franco-maçonaria.


Ambos testemunharam uma grande liberdade de espírito, isso enquanto pertenceram à tradição católica. Mas não enxerguemos isso como uma contradição: os aristocratas franceses, sejam nobres ou burgueses, costumam praticar a arte do paradoxo! O fato é que a Igreja Católica não terá palavras suficientes para condenar a maçonaria e criticar o Espiritismo. Por outro lado, os protestantes serão mais tolerantes. Não esqueçamos que as primeiras lojas maçônicas apareceram na Escócia e depois na Inglaterra, no solo anglicano.


Mas é graças à Charles-Henri Thierry de Maugras, que se torna um grande amigo desde seus estudos médicos, que Augustin Fropo encontra sua irmã-esposa Berthe. Nativos da província de Artois, no norte da França, a família Fropo descende, pelas mulheres, dos condes de Flandre. E o casamento católico de Augustin Fropo e Berthe Thierry de Maugras foi celebrado no dia 1º de setembro de 1846, na igreja de Saint-Jacques-du-Haut-Pas, em Paris. [...]

Depois de anos passados na Argélia, pós-campanha italiana de 1859, Augustin Fropo foi nomeado, em 1863, médico do Regimento de artilharia da Guarda Imperial de Paris. Por conta disso, o casal se muda para a Avenida Duquesne, nº 40, não muito longe da Rua dos Inválidos. Eles também tiveram uma casa em Sceaux, comuna francesa perto de Paris.

Casal Fropo, nesta época de ditadura napoleônica, levava uma vida material de acordo com os costumes da boa sociedade do Segundo Império, mas Berthe não se contenta em receber amigos ou ir a qualquer recepção ou exposição. Ela compromete-se com a associação de luta contra o abuso de tabaco.


Curiosamente participa, como artista, de um concerto oferecido pela Marechal Regnault de Saint-Jean-d'Angély, na capela da Escola Militar de Paris. O stabat mater [7] da Baronesa Almaury de Maistre é oferecido no momento em que Berthe Fropo canta um dos solos, e sua apresentação foi realizada em benefício dos pobres.

Mas o Império declina e a guerra explode em 1870... Os prussianos ocupam Paris, o Imperador abdica.

Augustin Fropo é médico-chefe do Hospital Militar de Versalhes e é, por esta razão, que em 1871 defenderá os feridos da Comuna contra os maus tratos infligidos contra esses. Ele é nomeado Comandante da Legião de Honra e Adolphe Thiers, Presidente do Governo Provisório dá-lhe a condecoração. A República é proclamada...

Foi durante esses anos que Berthe Fropo-Thierry de Maugras se iniciou no Espiritismo [8]. Ela se tornou amiga de Amélie Boudet, esposa de Allan Kardec, e foi vice-presidente da União Espírita Francesa. É muito provável que seu marido, que terminará sua carreira militar como inspetor médico com o cargo de general de brigada, apoiará a esposa em sua militância espírita. Augustin Fropo morreu em 1885...

Autora de Beaucoup de Lumière (Muita Luz), Berthe Fropo morre em 9 de novembro de 1898, em sua casa parisiense. Foi por meio dos escritos da Crônica da família Fropo, documento que existe [9] de 1532 até o presente, que redescobri a vida de Berthe Fropo-Thierry de Maugras; que redescobri o seu engajamento no movimento espírita.

Finalmente, aqui está a minha linha de parentesco com esta mulher excepcional: o seu sobrinho, o coronel Louis-Augustin Fropo (1857-1939) terá como filho Maurice-Jean Fropo (1890-1974), que é meu avô [10]."
Nicolas Frobo de Habart



Notas:

[1] Para saber mais sobre Nicolas Fropo de Habart, artista francês talentosíssimo, veja o seu vídeocurrículo-poético, acessando: https://vimeo.com/97887319. Site do Nicolas: www.fropo-dehabart.com. Nicolas Fropo vive em Nîmes, no sul da França.

[2] Em francês, pela mensagem de Nicolas: “Cher Adriano, voici comme promis l'article-témoignage que j'ai écrit au sujet de Berthe, à partir des archives de ma famille.”

[3] Esta localidade francesa fica há quase 500 quilômetros de Paris. Num primeiro momento, analisando esse retrato tardio da então viúva Berthe Fropo, (elegantemente vestida com trajes de luto e foto do marido em retrato oval abaixo do pescoço – tradição das enlutadas à época) curiosamente observamos que ela não possui muitos traços franceses. Talvez porque sua família materna seja de Luxemburgo, estado belga vizinho entre a Alemanha e a França? Esse rosto com expressão doce, serena, reveste uma espírita perscrutadora, valente e corajosa, que defendeu a coerência doutrinária até o fim de seus dias.

[4] Por inbox, Nicolas nos dirá que o pai de Fropo fora “oficial administrativo de Napoleão”.

[5] Grupos masculinos que praticavam um modo de caça ancestral que consiste em capturar um animal (tradicionalmente cervo, veado, raposa ou lebre) por meio de uma matilha de cães, até que esse seja abatido e morto.

[6] Como visto no mapa, Nicolas Fropo relata em detalhes as localidades francesas em que a menina e adolescente Berthe Fropo viveu – antes de desembarcar definitivamente na Paris de 1846.

[7] A expressão religiosa Stabat Mater refere-se a um hino do século 13, em honra à Maria, mãe de Jesus, atribuído ao franciscano Jacopone da Todi ou ao papa Inocêncio III.

[8] Não há dúvidas que Dr. Augustin Fropo fora espírita convicto e o casal, militante do Espiritismo. A afirmação de Nicolas Fropo, a de que o casal Fropo inicia sua militância espírita no início da década de 1870, soa muito estranha pra nós, principalmente por conta de um trecho de depoimento publicado no jornal Le Spiritisme, em dezembro de 1883, em que Fropo vai admitir grande carinho que nutria pelo casal Kardec: “Alguns poucos amigos e eu, lhe restamos fiéis, e é para mim a maior glória da vida ter sido amada até o último suspiro, por esses dois grandes Espíritos.” Isso deixa a entender que ela pode ter conhecido, convivido e foi amada (também) por Allan Kardec. Por essas e por outras declarações, acreditamos que o casal Fropo pode ter se tornado espiritista antes mesmo de 1869.

[9] Isso prova o quando nós brasileiros somos negligentes com registros históricos de nossas próprias famílias; como somos displicentes com as nossas árvores genealógicas; como somos esquecidos de que os nossos antepassados também são importantes e merecem registro e preservação de nossa parte. Que os franceses, nesse aspecto de preservação historiográfica, nos sirvam de exemplo!

[10] Em inbox, Nicolas nos comenta que o casal Fropo não teve filhos e que, além do coronel Louis-Augustin Fropo, ficou como herdeiro direto do espólio outro sobrinho de nome, Auguste  Fropo (1858-1945), advogado da República francesa, sob a jurisdição de Túnis.

sábado, 28 de outubro de 2017

Calendário Histórico Espírita: aniversário de lançamento do nosso Blog "Espiritismo em Movimento"


Há 8 anos a Fraternidade Luz Espírita lançava este seu blog, Espiritismo em Movimento, veículo dinâmico de experimentação, debate e divulgação de notícias e estudos de interesse da nossa doutrina Espiritismo.


E a recepção de nosso conteúdo pode ser medida pelo extraordinário número de mais de 1 milhão de acessos que alcançamos este mês (veja aqui).

E para que esse desempenho permaneça tão bem, contamos com a sua participação, dentre outras coisas, com as seguintes ações:
  • Inscreva-se para receber em primeira mão, via E-mail, as nossas postagens (mais detalhes aqui);
  • Deixe seu comentário sobre nossas postagens, afinal, este é um canal de debate democrático;
  • Compartilhe nossas postagens com os amigos e seguidores nas redes sociais.

Agradecemos a confiança e vibramos para que a saibamos favorecer que a  Luz Divina venha sobre nós cada vez mais.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Nos bastidores do Programa Evangelho no Lar Online


Como nossos amigos já sabem, todas as quintas-feiras, às 20h (horário de Brasília), a Equipe Luz Espírita se une na produção do Programa Evangelho no Lar Online, transmitido ao vivo pelo YouTube, que também registra cada edição e disponibiliza a gravação do vídeo para que qualquer pessoa online possa acessá-lo a hora que quiser (acesse aqui). A audiência do programa tem uma média de dois mil acessos e os comentários, em geral, são muito positivos.

O programa é apresentado regularmente pelo casal Janete e Rivail Jr, diretamente da cidade de Canoas, Estado Rio Grande do Sul. Em vista disso, muitos espectadores nos escrevem querendo conhecer mais sobre eles, ver imagens deles, já que eles usam apenas narração — até para evitar distrações durante o programa. Pois bem! Resolvemos então trazer uma matéria com os bastidores do programa e apresentar mais detalhes sobre os apresentadores.

Janete e Rivail Jr, apresentadores do Programa Evangelho no Lar Online

Janete e Rivail Jr. são gaúchos, moram em Canoas-RS, têm dois filhos, são espíritas de berço e fazem parte da Equipe Luz Espírita desde há muito. Conheceram o trabalho do Portal através do curso online oferecido à época, integraram-se à diretoria e a ela se integraram contribuindo voluntariamente com muita dedicação.

Rivail descreve a origem deste programa: "Nós fazemos o Evangelho aqui em casa todos os domingos, às 21h, há mais ou menos 15 anos e sabemos da importância real de mantermos essa disciplina, é um momento de reflexão e aprendizado, onde pedimos força, coragem e sustentação para nossos problemas pessoais (que não são poucos!) e harmonização do lar. Quando conhecemos o Portal Luz Espírita e fizemos os estudos ali, já éramos espíritas, trabalhadores de um centro, só que encontramos uma afinidade muito grande com essa equipe e o seu trabalho de divulgação da doutrina e nos unimos a ela".

Janete relembra as primeiras atividades a que se voluntariaram: "Começamos atendendo alunos do curso de estudos sistematizados, após um período, fizemos parte da Equipe de Evangelho no Lar com transmissão online via Skype, depois através de web rádio, porém com muitas dificuldades devido a internet, tivemos que parar. Após um período de tempo, fomos convidados a fazer o Evangelho via YouTube [formato atual]. E é com muita alegria que fizemos esse trabalho, significa poder levar essa possibilidade à todos os lares, que assim como nós, também têm seus problemas diários, boas intenções e às vezes, com as nossas correrias do dia a dia, acabamos nos esquecendo da nossa parte espiritual que além de ser testada constantemente é também muito fragilizada. Por isso devemos abrir as portas para Deus e pedir harmonia para o nosso lar".


Janete e Rivail Jr, apresentadores do Programa Evangelho no Lar Online

Eles são uníssonos ao falar do feedback do público:
"Nossa! Essa é a melhor parte [risos]. Lemos todos os comentários (Apesar de não conseguirmos responder à todos) e à partir daí tentamos ajustar da melhor maneira possível o programa seguinte. Ficamos muito felizes quando as pessoas falam do bem que está fazendo para elas, da paz que entra em seus lares. Na verdade, a gente não tinha ideia da repercussão que daria, não esperávamos tanto carinho, amor e tantas pessoas com a mesma sintonia com o mesmo foco, pessoas que faziam sozinhas e agora agradece por ter a nossa companhia. Na verdade, a gente é quem agradece o tempo todo a Deus e a espiritualidade superior pela oportunidade e por nos ajudar a fazer essa tarefa, e a vocês por terem a paciência em nos escutar [risos]. Pensamos nas pessoas que escrevem e tentamos vibrar no momento do Evangelho para que elas sejam atendidas e estejam bem em seus lares."

Junior faz questão de dizer que eles são pessoas comuns: "Somos pessoas normais, com falhas, defeitos, contas à pagar [risos]. Gostamos de viajar, ler, conversar, participamos de eventos espiritas, assistir palestras e porque eu me aposentei esse ano, achei que teria mais tempo para os estudos, só que não [risos]; em casa o trabalho é bem mais puxado. É interessante como o tempo passa rápido, procuramos tentar acertar em todas as oportunidades, mas nem sempre é o que acontece... A vida é uma caixinha de surpresas."

Falando diretamente dos bastidores do programa, Janete revela: "Ainda bem que não tem câmera! Acontece de tudo aqui.... Conseguir um ambiente silencioso é muito complicado. Ainda mais neste lugar..."

E acrescentando, ela relata os problemas técnicos: "No começo tivemos muitos problemas com o microfone, o som saia péssimo, usamos várias técnicas (artesanais), como meia calça na frente do microfone, caixas de papelões colados com durex na forma de um casulo (a gente quase entrava para dentro da caixa para conseguir falar) [risos], além de pássaros que resolvem cantar, cachorros latindo bem na hora do evangelho, parece que todos se combinam contra, o telefone que fica em silêncio o dia todo mas naquela hora decide tocar ou internet que resolve cair, fora o clima que resolve chover para dar instabilidade (nossas provas!) Faz parte, o importante é não desistir!"


E quanto à gratificação para realizar esse programa? Rivail é quem confessa: "A gratificação de ler no retorno das pessoas palavras de gratidão o carinho, ver ali contadas algumas histórias que nos emocionam... isso é muito mais do que poderíamos esperar."

E eles, enfim, mandam um recado para os ouvintes do programa: "Nós gostaríamos de dizer que não vamos conseguir responder a todos, porém lemos todos com carinho sem exceção. Somos iguais perante Deus, estamos orbitando no mesmo planeta de labor, isso nos faz irmãos; necessitamos tanto quanto qualquer um de apoio, força e coragem, são as melhores palavras a serem ditas em uma oração. Quando ficamos diante do computador imaginamos uma grande mesa onde vários se encontram, nos sintonizamos através da oração inicial; sempre pedimos que os bons Espíritos que nos inspirem em palavras que atendam às necessidades de quem está do outro lado. Quando fazemos a oração de fluidificação das águas, estamos fazendo duas orações, uma tradicional e a outra pessoal, pedindo para que os lares de vocês sejam iluminados e as preces de vocês sejam atendidas. É assim que nós ficamos envolvidos no trabalho, não somos ninguém em especial, mas vocês são especiais para nós. Se erramos ou não fazemos direito, pedimos desculpas, vamos fazer o nosso possível para melhorar, mas somos humanos. E pedimos que estudem cada vez mais, não podemos parar, temos que estar sempre em busca da evolução para sermos pessoas melhores."

Mais informações na página Programa Evangelho no Lar Online.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Arte, nudismo, pedofilia, censura e outras polêmicas


Arte, nudismo, pedofilia, censura e outras polêmicas
por Ery Lopes

Assistimos nos últimos dias a um acirrado debate público, de “pessoas comuns” nas redes sociais a “personalidades” do universo das artes e de categorias diversas, sobre vários temas tradicionalmente polêmicos, agora postos em voga em consequência de um série de eventos que vieram à tona em setembro de 2017, começando basicamente por uma revolta popular contra a exposição de arte QueerMuseu no salão Santader Cultural da cidade de Porto Alegre, logo após um vídeo amador denunciar pela internet a presença de crianças em meio ao público dessa exposição, que teria conteúdo inadequado para o visitante infantil, a exemplo de quadros com cenas de sexo explícito, com orgias, inclusive com animais (zoofilia), além de cenas supostamente sugestivas à pedofiliaEssa mesma exposição também conteria “obras de arte” de conteúdo criminoso, conforme prescreve o artigo 208 do Código Penal, que criminaliza o ato de vilipêndio a objetos de culto religioso. No caso da amostra QueerMuseu, questiona-se, por exemplo, um quadro com inscrições “vagina” e “língua” em hóstias (usada no Catolicismo para o culto da eucaristia).

Exposição QueerMuseu no Santander Cultural de Porto Alegre-RS.

Logo em seguida ao caso QueerMuseu, foi alvo de revolta popular a performance denominada La Bête (A Besta, traduzido do francês) exibida no MAM - Museu de Arte Moderna de São Paulo, cuja “expressão artística” é simplesmente a exibição de um ator totalmente nu e passivo no meio de um salão, para livre apreciação e interação. O caso ganhou dramaticidade quando foi exibida nas redes sociais, em tom de protesto, imagens de uma garotinha “interagindo” (tocando) o corpo nu do artista, o que, na interpretação de juristas, ferem o Código Penal no artigo 234 que trata dos crimes de ultraje público ao pudor, bem como — especialmente falando da presença de menores a essa amostra —, transgride os dispositivos dos artigos 240 e 241, do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente.

Criança assiste à mostra La Bête
Em paralelo a essa discussão no âmbito criminal, também subiu ao palco a controvérsia sobre a utilização de recursos públicos — notadamente a Lei Rouanet — para o financiamento desse tipo de arte. Financiamento de consideráveis valores, diga-se de passagem, com o agravante de conjecturada promoção ideológico e partidária. Tais “patrocínios com erário público” são bastante questionáveis, sobretudo se levarmos em conta a crise dos serviços públicos fundamentais nos setores de educação e saúde.

Por outro lado, perplexos com essa reação pública, artistas, críticos de arte e personalidades de diversas categorias manifestaram veemente repúdio contra o que eles titulam de “censura”, “ignorância”, “intolerância” e “perseguição à arte”, exigindo os valores da “liberdade de expressão”, inerente à expressão artística que, segundo alegam, é amparado pelo artigo 5°, inciso IX, da Constituição brasileiraOs “defensores da arte livre” reagiram com veemência contra a decisão do Banco Santander de suspender a exposição no Rio Grande do Sul e contra os protestos populares. Diversas celebridades se pronunciaram nas mídias em defesa da “descriminalização da arte”. Um grupo desses defensores almeja até transformar esse apelo em projeto de lei que garanta imunidade aos artistas para se manifestarem, através de suas obras, sem serem molestados pelos que chamam de “moralistas conservadores”.

Como se observa, toda a polêmica envolve diversas questões graves, complexas, cujos pontos de vistas — muitas vezes, saturados de opiniões passionais, habitualmente arrastam seus partidários a atitudes radicais. Ponderando que tais fatos estão presentes no cotidiano da vida social, os espíritas somos convidados a uma reflexão sobre tal discussão, o que nos remete a uma análise obsequiosa sobre os múltiplos universos da arte, liberdade, censura, nudismo, pedofilia, tolerância religiosa, etc.

É o que propomos bancar neste ensaio, que, manifestamente, não responde categoricamente pelo Espiritismo, porém pelo nosso ponto de vista — embora almejamos declaradamente nos amparar nos preceitos e apelos dessa Doutrina de Luz que professamos com satisfação.


Choque de opiniões

No meio dos protestos populares contra a polêmica aqui em debate se encontram amiúde os mais diversos “achismos” sobre a questão, mormente daqueles que se escandalizam com a sugestão de uma postagem nas redes sociais da internet e saem compartilhando sua ira sem maiores conhecimentos sobre os fatos.

Também há as vociferações dogmáticas de religiosos imponderados que, crendo agirem sob procuração divina, disparam seus anátemas às cegas. Num debate franco, pessoas despreparadas assim perdem a causa com facilidade, pois faltam às suas opiniões argumentos sólidos para justificar suas posições, dando ensejo aos seus oponentes na discussão. E os mais maliciosos sabem muito bem se aproveitar dessas brechas contra aqueles outros, que serão naturalmente taxados de ignorantes, por não compreenderem arte e nem conseguirem balizar suas ideias e crenças.

Do outro lado dessa polêmica, os defensores da liberação geral — notadamente artistas, críticos e profissionais de arte — valem-se de conceitos sobre arte e tudo o mais de que se utilizam para a expressão artística (por exemplo, nudismo, sexo, elementos religiosos, etc.) em suas obras mediante os valores de sua compreensão.

Ou seja, essas obras de artes refletem o entendimento de seus autores e são interpretadas pelos seus admiradores de acordo com o grau de entendimento deles sobre os valores utilizados na obra. De alguma forma, eles são ativistas de suas crenças e de seus conceitos sobre os temas utilizados em suas obras. Portanto, antes de se discutir sobre essa ou aquela obra de arte, é preciso que se considere sobre os conceitos ali empregados.

O primeiro ponto crítico é justamente o conceito de arte que esses artistas têm, bem como o escopo de uma obra de arte. Em geral se propõe que o artista não deva ter limites e, inclusive, que a arte é historicamente uma via comum de vanguarda e transgressão, feita para escandalizar e romper barreiras (conservadorismo) e fazer avançar a modernidade. Nesse contexto, o artista é uma espécie de desbravador. Essa tese costuma ser empregada como válvula de escape para justificar possíveis extrapolações legais.

A questão que aqui se apresenta é se essa modernidade seja de fato progresso. Será que tudo que é moderno é evoluído? E será que em nome desses valores artísticos se pode tudo?

Dr. Cesar Matsui
Bem, não vamos nos ocupar aqui quanto às implicações jurídicas envolvendo essa polêmica toda, embora julgamos válido convidar a todos para apreciar as ponderações de um especialista, através do artigo Liberdade de expressão como método para a prática de crimes, assinado pelo advogado Dr. Cesar Matsui.

Contudo, além disso, convém considerarmos que, no mundo ainda moralmente deficitário como a Terra, dentro do curso evolutivo, estamos suscetíveis às fraquezas e apelos materiais, pelo que podemos compreender a evidência de artistas corrompidos pelos mais ardilosos interesses e ofuscados pelas improfícuas ideologias, cabendo-nos questionar: onde está genuinamente o espírito da “arte pura”?

Contextualizemos a temática. Será que a nudez da performance La Bête é reprodução legítima do chamado “nu artístico”? A sua proposta consegue representar o nu natural a exemplo de algumas culturas indígenas? Admitamos que sim, que o artista que elaborou “essa arte” e o ator que a encenou concebam assim, porque eles se inspiram na “inocência” da nudez natural — e que até haja desinteresse no prêmio em dinheiro envolvido. Mas, pensemos no efeito prático de uma “obra de arte” desse jaez: que tipo de sentimentos ela despertará no público? O resultado colimado será semelhante à “pureza” de sentimento que o artista expressou?

Ah, não! — Falarão os defensores da arte livre — Isso não é da conta do artista e a arte em si não tem obrigação de uma utilidade prática e tampouco responsabilidade pelos desdobramentos que venham a se dá a partir de sua produção!

Será que é assim mesmo?

Poderão, ainda, dizer que, no caso de artista expressar cenas deprimentes de zoofilia e demais orgias em suas obras, além do mais, aberrações que conspurcam o sentimento e a razão, nada mais faz do que delinear a vida real; Que diariamente crianças estão expostas ao nudismo em diferentes situações, desde às das obras clássicas (como a escultura de David de Michelangelo), até o dos sites pornográficos, facilmente acessíveis na internet debaixo da saia das mães e das barbas dos pais.

David, obra de Michelangelo
Essa justificativa parte do mesmo princípio adotado pelos arautos da descriminalização das drogas: se, afinal, já é uso corrente clandestinamente, por que não as legalizar logo? Essa analogia, aliás, não foi trazida aqui fortuitamente, pois é fato que a história recente tem associado o ativismo artístico com os vieses da anarquia e do brado quimérico da sonhada “liberdade absoluta”, em cuja esteira as drogas e entorpecentes simbolizam a conquista.

O artista consagrado pela fama, se assenta na vanguarda destes pleitos com seus discursos tendenciosos, sugerindo a construção de uma sociedade sem lei, sem ordem institucional, sem rumo. O princípio desse raciocínio anárquico é simples: nada no mundo é perfeito e tudo é desordem, logo, não se deve admitir qualquer ordem nem tampouco levar a sério qualquer princípio moral, já que, se a sociedade moralista é “podre e hipócrita”, destarte, os conceitos morais são inválidos.

Todavia, para não cairmos em divagação nessa nossa análise, tendo em vista a complexidade dos desdobramentos, precisamos mirar o que consideramos o cerne da questão tratada. Em suma, o ponto capital para nossa reflexão aqui proposta, acerca da questão levantada, é ajuizarmos sobre o que verdadeiramente é a arte.


Proposição espírita para o assunto

Sob o ponto de vista de todas as ideologias, crenças e ceticismos, qualquer reflexão que se faça a respeito dos temas aqui tratados estará sujeita ao nível de abrangência das expectativas, que fundamentalmente se limitam às impressões sensoriais, relativamente influenciadas pelo fisiologismo, ou pelos imperativos dos atrativos materiais.

Nossa reflexão não se baseará nos valores terrenos utilitaristas. O espírita, tem à sua disposição um compêndio de conceitos filosóficos muito consistentes para analisar as questões sociais em seus múltiplos apelos. Desta feita, ao apreciar o valor das coisas, levará em conta a transitoriedade desses valores imediatos, porém, sem subestimá-los. Entretanto, necessariamente, priorizará os valores espirituais que são imperecíveis. Sempre apoiados na certeza da a multiplicidade das vidas terrenas pela lei de reencarnação.

Em síntese, um materialista ou alguém que ignore os preceitos espíritas analisarão a polêmica em questão, sob o viés dos estreitos julgamentos conforme convenções terrenas, sempre sob a perspectiva da unicidade da vida terrena, e, no quanto aos espiritualistas tradicionais, avaliarão o tema controverso aqui, consoante a crença do juízo inapelável após a morte. Já o espírita considera os valores espirituais e a continuidade da experiência corpórea através das reencarnações.


Conceituação de Arte terrena

As convenções sociais nem sempre (ou quase nunca) se alinham com os valores espirituais. O que é legal nos códigos dos homens pode não ser adequado nas esferas extrafísicas e vice-versa. Concentremo-nos e arrazoemos, pois, sobre o conceito de Arte , embora este seja um terreno um tanto abstrato, subjetivo, sensível ao tempo e às influências culturais, controverso até mesmo entre os “especialistas”.

Geralmente define-se a arte terrena como uma via de expressão formal de sentimentos e ideias do artesão através de uma linguagem artística, que nem sempre tem utilidade prática, visando suscitar a admiração da platéia. Detalhemos aqui a “expressão formal” como obra de arte que precisa ter uma forma acabada, definida e perceptível (por exemplo: uma escultura, uma composição musical, uma peça teatral, dentre outros); esse objeto é então uma representação, um símbolo ou reflexo palpável do imaginário do artista sobre o que ele nutre dos próprios sentimentos, acreditando e ou desejando comunicar seus princípios , crenças e valores morais a exemplo das apologias ideológicas, dos protestos aos sistemas, das proposições de novos conceitos, informar alguma coisa ou até mesmo doutrinar, etc.); nos horizontes da “linguagem artística” incluímos os conceitos de estética (da beleza, não do objeto em si, pois que pode ser um objeto sem beleza mas de como o artista o compôs, e da aplicação das técnicas e habilidades do artista para a confecção da obra; uma obra pode ter diretamente uma utilidade prática, como uma roupa, uma ponte, uma ferramenta, ou ser apenas uma peça de apreciação (um quadro, uma poesia, etc.) e diversão (um filme, uma charge, etc.); o artista se expressa por suas obras para despertar no observador admiração, no sentido de espanto, emoção frente a algo que não se espera, dado que um dos critérios para avaliar uma obra de arte é sua originalidade. A partir desse “susto inicial”, o espectador então é livre para interpretar a representação artística (em sintonia ou não com o que o artista almejou expressar) e deixar aflorar sentimentos e emoções próprias acerca de temas propostos na obra (satisfação, medo, indiferença etc.).


Utilidade e utilização das artes

Há quem proponha haver uma espécie de “arte pura”, pela qual o artista se expressa, para valorizar suas habilidades (capacidades, técnicas) e demonstrar possibilidades artísticas, bem como para promover a beleza das coisas (novamente, não dos objetos em si, mas da forma como eles foram compostos pelo artista), sem qualquer intenção ideológica fora do próprio universo artístico. Nesse sentido, o “verdadeiro artista” produz sua obra primordialmente por amor à Arte — ainda que ela seja patrocinada.

Entretanto, e historicamente está comprovado, que as artes têm sido utilizadas como instrumentos para os mais variados propósitos além dos valores artísticos. Valem-se das artes para fins de doutrinação e propagação das religiões, para apologia de ideologias políticas, de causas sociais, para fins comerciais, etc. E a própria subjetividade das obras de arte dá certa imunidade a essas pretensões, pois, por exemplo, um quadro de um ser humano desnudo pode suscitar diversas interpretações, pelo que, quando lhe convier, o autor poderá dizer que se trata sim de uma propaganda ao erotismo, ou pode alegar que se trata de apologia ao naturalismo, ou ainda dizer que não existe em sua obra qualquer propósito e se trata apenas de uma “arte pura”. Tudo isso é possível pelo artifício formal de nem sempre a “mensagem real” que motiva o artista estar explícita na sua composição.

Essa ambiguidade típica do universo artístico nos remete a um quadro exposto no QueerMuseu onde está retratada uma cena de sexo explícito envolvendo três indivíduos. Que mensagem e que valores artísticos estão ali embutidos que mereçam patrocínio do dinheiro dos contribuintes brasileiros, que quase sempre desconhece o emprego desse dinheiro em tal “obra de arte”?

E não percamos de vista que artistas, críticos de arte e celebridades em geral defendem imunidade total aos artistas, em nome da Arte!

Mas será que no bojo de tudo quanto se pode considerar como sendo “arte”, teremos de admitir irrestritamente toda manifestação supostamente cultural? Será que poderíamos considerar obras de arte os bailes funks saturados de erotismos e palavrões, os filmes repletos de violência, as pichações criminosas nos muros alheios e tudo o que fira valores de fé como os símbolos de algumas religiões?

A utilização das artes como meios de informação, propagação e cultura não apenas nos parece legítima como também parece necessária para a promoção de novas aprendizagens e novos saberes. E fazemos votos que, por exemplo, o Movimento Espírita saiba fazer bom uso desse recurso, porquanto o Espiritismo é uma fonte fecunda de sublime inspiração para os artistas sensíveis às grandezas espirituais.

Mas a isenção de responsabilidades dos ativistas é inadmissível...


A Arte ante os valores espirituais

Quem somos nós para arrazoarmos categoricamente, em nome dos bons Espíritos, os conceitos de Arte ante os valores e recomendações espirituais? Alguém sensato não ousaria. Entretanto, podemos propor reflexões sob as pressuposições concernentes ao tema, apoiados nas mensagens advindas dos sábios habitantes do além-túmulo. Além disso, podemos também recorrer aos notáveis pensadores espíritas (encarnados).

Ouçamos Léon Denis:
“A beleza é um dos atributos divinos. Deus pôs nos seres e nas coisas esse encanto misterioso que nos atrai, nos seduz, nos cativa e enche a alma de admiração, às vezes de entusiasmo. A arte é a busca, o estudo, a manifestação dessa beleza eterna da qual percebemos, aqui na Terra, apenas um reflexo. Para contemplá-la em todo o seu esplendor, em todo o seu poder, é preciso subir de grau em grau em direção à fonte de onde ela emana, e isso é uma tarefa difícil para a maioria entre nós. Pelo menos, podemos conhecê-la pelo espetáculo que o Universo oferece aos nossos sentidos e também pelas obras que ela inspira aos homens de gênio”

Léon Denis (O Espiritismo na Arte, Parte 1)
Léon Denis
Naturalmente não concebemos os valores artísticos sem um propósito objetivo, ainda que nos limites da dimensão de mera opinião; urge haver em cada obra de arte um elevado propósitos além, é claro, do movido escopo de “encantamento” da platéia; É necessário estar ínsito em cada peça artística um intuito de instrução e animação dos admiradores às tais virtudes. Uma obra qualquer nos planos de suas concretudes e ou abstrações precisa deslumbrar e seduzir positivamente, até porque as chamadas “obras de arte” que proponham finalidades opostas às virtudes do bem culminam por despertar efeitos psicoemocionais indesejáveis, portanto tais obras não podem representar uma arte elevada.

Como se não bastassem os escusos propósitos “artísticos” aqui apontados, ocorrem também impregnações de fluidos deletérios que envolvem as tais obras expostas, quando advindas de autores descompromissados com o bem, e obviamente tais obras podem influenciar fluidicamente os seus deslumbrados apreciadores. Não é concebível imaginar, por exemplo, a sublime composição musical Ária na Corda Sol de Bach, executada com amor, desprovida de uma carga fluídico e magnética elevada; ora, como resultado, um concerto com um repertório dessa qualidade, interpretado por músicos comprometidos com a causa elevada, é um verdadeiro banho magnético que favorece àqueles que tiverem maior sensibilidade musical.


Se nada deva se dar sem um propósito, os autores não podem escapar das responsabilidades pelas baixezas que queiram imprimir em seus trabalhos e, de outra forma, também não ficam sem recompensa os esforços dos artistas verdadeiramente inspirados pelas coisas superiores. Nada passa sem resposta: nenhuma baixeza passa incólume, assim como nenhuma vibração positiva fica órfã de uma resposta das forças espirituais.

Outra questão que não devemos perder de vista é que a direção que caminha para a elevação e aperfeiçoamento das coisas aponta para a sublimação das expressões e caminha em direção às artes. Quer dizer, quanto mais elevados os Espíritos, mais artísticas serão as suas manifestações. Daí, podemos visualizar que nos mundos superiores a linguagem seja sempre poética, ornada de ritmo, rima e melodia. Cremos que os Espíritos superiores não falam, simplesmente, mas cantam, e encantam; que ao invés de tão somente andarem, eles desfilam e voejam; que os seus trajetos deixam rastros impregnados de cores brilhantes e fragrâncias agradáveis; que suas formas-pensamentos sejam como que pinturas vibrantes e quadros vivos, cenas ricas de coreografia.

Portanto, a arte é abundante nos mundos superiores e todos os seus habitantes são artisticamente refinados. Por conseguinte, a arte humana não passa de um arremedo de cópia imperfeita do original do além, razão pelo qual os artistas terrenos nada mais são do que singelos recrutas da Arte Maior.


Allan Kardec, codificador do Espiritismo


A Doutrina Espírita e as artes

A Doutrina Espírita é a escola da evolução, que nos prepara teoricamente para penetrarmos nas leis da excelsa natureza e nos enseja ensaios da prática elevadas aqui mesmo na Terra. Quem compreende a essência doutrinária antecipa-se, vivenciando interiormente o estágio inicial da felicidade póstuma, irradiando-a, tornando progressivamente sensível essa realidade altiva. Com efeito, num silogismo válido, o Espiritismo há que se ocupar das artes, que, como vimos, é inerente às coisas da espiritualidade maior, que por sua vez é o assunto do objeto espírita.

A propósito, faz-nos bem recordar o Espírito Rossini. Diante de Allan Kardec, na Sociedade parisiense de estudos espíritas, ele manifestou-se mediunicamente atendendo ao convite para dissertar sobre Música — a primeira das artes — segundo o entendimento espiritual. Ele que havia sido um dos grandes gênios da música erudita italiana, agora, recém-desencarnado, discorre sobre o papel espírita para a ressignificação da arte musical e, por extensão, de todos os campos artísticos na Terra, como elemento didático e revolucionário para a reforma moral da Humanidade:
"Ah, sim! O Espiritismo terá influência sobre a música! Como não poderia ser assim? Sua chegada transformará a arte, depurando-a. Sua origem é divina, sua força o levará a toda parte onde haja homens para amar, para elevar-se e para compreender. Ele se tornará o ideal e o objetivo dos artistas. Pintores, escultores, compositores, poetas irão buscar nele suas inspirações e ele lhas fornecerá, porque é rico, é inesgotável.”
Rossini (Obras Póstumas, Allan Kardec - 1ª Parte, “Música espírita”)
Giochino Rossini (1792-1868)

Para que essa transformação moral se opere na sociedade, se faz urgente que optemos pela melhor classificação das obras de arte e qualifiquemos nossas capacidades e sensibilidades artísticas. Por oportuno, vale indagar: a que tipo de arte estamos dando priorizando? Que espécie de músicas ouvimos? A que conteúdos cinematográficos temos assistido? Quem são os artistas que temos prestigiado? Quais temas têm inspirado nossas preferências artísticas?

Talhadas essas reflexões, e sem e querer proferir a palavra final sobre o temário aqui exposto, fazemos um convite à tolerância e espírito de caridade diante de todos, mesmo que discordando pontualmente de uns e de outros acerca de dilemas conceituais e ajuizamentos de valores morais. No final da contas, a é mesmo nas as incongruências artísticas ensejam experimentações e crescimento espiritual para todos nós. E estejamos convictos de que, ao cabo de tudo, prevalecerá a força maior, que é a que converge todas as criaturas para o Criador nas esteiras da evolução espiritual. E acima de tudo, não percamos o foco elementar: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.