terça-feira, 15 de abril de 2014

Entrevista com Evandro Noleto Bezerra sobre o sesquicentenário de "O Evangelho Segundo o Espiritismo"


Entrevista com Evandro Noleto Bezerra sobre o sesquicentenário de "O Evangelho Segundo o Espiritismo", tradutor da FEB (Federação Espírita Brasileira), publicada na revista O Reformador.



Entrevista: Evandro Noleto Bezerra

O aspecto ético, moral e religioso
Evandro Noleto Bezerra é entrevistado sobre os 150 anos de O evangelho segundo o espiritismo e sobre o lançamento bilíngue da 1ª edição da obra. Considera-a básica, o coroamento do vértice do tripé em que se assenta a Doutrina Espírita – seu aspecto ético, moral e religioso
Reformador: A FEB Editora lança agora uma edição bilíngue da primeira edição da obra?
Noleto: Sim. Da mesma forma como sucedeu com O livro dos espíritos, cuja primeira edição diferia substancialmente da edição definitiva de 1860, também a primeira edição do Evangelho da Codificação Espírita, que recebeu de Allan Kardec o título de Imitação do evangelho segundo o espiritismo, sofreu algumas alterações que houvemos por bem destacar por meio de notas de rodapé, à medida que surgiam ao longo da obra.
Embora não alcancem a profundidade nem a abrangência das alterações introduzidas na edição definitiva de O livro dos espíritos, não deixam de refletir o zelo, o cuidado e o empenho do Codificador em aperfeiçoar a sua obra, sobretudo em ordenar os capítulos e reuni-los segundo temática comum com vistas a facilitar a compreensão do leitor e tornar mais agradável e atrativa a sua leitura.
A par disso, a segunda parte do livro contém a reprodução eletrônica (digitalizada) da obra francesa original, tal como surgiu em Paris, em abril de 1864, a fim de que os leitores possam conferir as diferenças existentes entre o texto primitivo e o da 3ª edição da obra, publicada em 1866, revista, corrigida e modificada por Allan Kardec sob o título de O evangelho segundo o espiritismo, versão hoje utilizada no mundo inteiro.
A título de informação complementar, esclarecemos que a segunda edição do Evangelho, publicada em 1865, não passava de cópia idêntica da 1ª edição, exceto quanto ao título, que foi substituído pelo que hoje conhecemos e acompanhado, além disso, do subtítulo parte moral. Para tanto, o leitor poderá confrontar as folhas de rosto da 1ª, 2ª e 3ª edições no final da obra.
Qual a diferença entre a primeira edição e a considerada definitiva?
Quanto às diferenças principais, além do título, já citado, a 1ª edição do livro compõe-se de  5 capítulos, em vez dos 28 que constituem a edição definitiva. Os parágrafos têm numeração corrida, de 1 a 420, o que os diferencia da 3ª edição, cuja numeração inicia e finaliza em cada um deles.
Ao confrontar as duas edições, percebemos que ambas são idênticas até o capítulo XXII, mas incorporando-se como novos os capítulos XXIII e XXVI. O capítulo XXIV da 1ª edição, com algumas modificações, passa a ser o capítulo XXVIII da 3ª edição, com o mesmo título: Coletânea de preces espíritas. É importante destacar que, nesse capítulo, Kardec desenvolve a “Oração Dominical”, versículo a versículo, o que não ocorria na Imitação do evangelho, onde a prece de Jesus foi simplesmente transcrita sem qualquer comentário. Também desaparece o capítulo do livro Máximas Diversas, embora muito do que ali se achava contido fosse incorporado a outros capítulos do livro, notadamente os intitulados Estranha moral e Buscai e achareis, que passaram a fazer parte da edição de 1866 e que não existiam na edição princeps do livro. Outra diferença entre a 1ª e 3ª edições é que os parágrafos são bem mais longos na edição de 1864, em comparação com a de 1866, o que poderia tornar enfadonha a leitura e cansar o leitor, problema resolvido na 3ª edição, onde eles são mais “enxutos” e quase sempre relacionados aos subtítulos que lhes correspondem. Em suma, ao imprimir à 3ª edição uma feição muito mais metódica, ao fundir as matérias contidas em alguns capítulos para formar outros e ao acrescentar mais três capítulos, Allan Kardec enriqueceu o conteúdo da obra, tornando sua leitura e as buscas por determinado assunto muito mais fáceis, providência que, longe de lhe desvirtuar a essência, tornou mais leve e agradável a leitura da mensagem de Jesus, pondo-a ao alcance de todas as inteligências.
Por que Allan Kardec mudou o título da obra?
Conforme palavras suas, exaradas na segunda parte de Obras póstumas, “mais tarde, em razão das reiteradas observações do Sr. Didier [amigo e principal editor de suas obras espíritas], bem como de algumas outras pessoas, mudei-o [o título do livro] para O evangelho segundo o espiritismo”. É possível, e isso não passa de especulação nossa, que tenha pesado na decisão o fato de o vocábulo imitação poder ser considerado uma paródia, uma versão de segunda classe do Evangelho de Jesus, fato que poderia ser aproveitado pelos detratores da Doutrina, sempre à busca de algo para desacreditá-la.
Qual sua sensação ao se deter nas traduções de O evangelho segundo o espiritismo?
A mesma que experimentei ao traduzir a edição histórica de O livro dos espíritos, publicada em 1857, ou seja, mergulhar diretamente na fonte cristalina dos ensinamentos emanados da Espiritualidade superior, enriquecida pelos comentários judiciosos e oportunos de Allan Kardec, ao complementar e desenvolver as passagens inesquecíveis da Boa Nova dentro daquela lógica, daquele espírito de síntese e da objetividade que lhe caracterizam o estilo.
É como se o próprio Cristo, em pessoa, se destacasse das páginas do livro e viesse, uma vez mais, nos conclamar à fraternidade e ao amor incondicional aos semelhantes, tal como sucedeu há dois mil anos na Galileia distante.
Algum capítulo chamou-lhe mais atenção?
É muito difícil destacar um capítulo de outro, tamanha é a importância dos ensinamentos tratados em cada um deles.
Posso apontar os que mais aprecio, sem desmerecer os demais: capítulos VI (O Cristo Consolador); X (Bem-aventurados os que são misericordiosos); XII (Amai os vossos inimigos); XV (Fora da caridade não há salvação); e XVII (Sede perfeitos).
Como você considera este livro no conjunto da Codificação?
Como a obra básica que coroa o vértice do tripé em que se assenta a Doutrina Espírita  seu  aspecto ético, moral e religioso, e também porque, conforme palavras de Allan Kardec, a parte moral do Evangelho de Jesus “é o terreno onde todos os cultos podem reunir-se, a bandeira sob a qual todos podem abrigar-se, quaisquer que sejam suas crenças, porque jamais constituiu matéria das disputas religiosas”, fato que nem sempre está ao alcance dos que só interpretam o Espiritismo à luz da Filosofia ou da Ciência…
Sesquicentenário do Evangelho: qual sua visão para o futuro?
A despeito da violência e das desigualdades sociais ainda presentes na Terra, que a todos nos chocam e envergonham, vejo o futuro com muita fé e otimismo. Tudo indica que passamos por uma fase de transição, em que o nosso planeta será promovido a mundo de regeneração, em que o homem, embora sujeito a vicissitudes das quais só estão isentos os seres completamente desmaterializados e ainda tenha provas a sofrer, já não experimenta as pungentes angústias da expiação. E tudo isso já era previsto 150 anos atrás no capítulo III da Imitação do evangelho segundo o espiritismo…

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